Afrodite, a deusa do amor

Flavio Sullas-1Hesíodo relata em sua Teogonia o misterioso nascimento de Afrodite, a chamada Anadiômene, aquela que surge (das ondas do mar). Após a castração de Urano por seu filho Cronos, os genitais do deus-céu caem no mar, e das ondas e esperma se forma uma espuma (em grego, afros) da qual nasce a deusa do amor.

Afrodite tem, portanto, um nascimento arcaico, em um tempo mítico anterior ao nascimento do próprio Zeus e os demais deuses olímpicos, ainda no ciclo dos titãs, sob o domínio de Cronos. Psicologicamente falando, todo mito de nascimento fala da origem da consciência; se o mito é atemporal, no sentido cronológico, ele possui um tempo simbólico; a antiguidade de Afrodite diz respeito à sua importância na origem da consciência e seu enraizamento nas emoções mais profundas e irracionais do ser.

O seu estado nascente, surgindo das espumas do mar, inspirou Apeles, grande pintor grego do século IV a.C. e muito mais tarde Botticelli, em seu famoso quadro O nascimento de Vênus. A beleza incomparável de Afrodite neste estado de suspensão fala do amor que assoma à consciência e de suas possibilidades transformadoras, tão bem elaboradas por Platão em O banquete.

Entretanto, neste estado, podemos perceber Afrodite perigosamente próxima do oceano, símbolo do inconsciente coletivo descrito por Jung, o meio aquoso sem fronteiras delimitadas, sede de paixões de todo o tipo, que podem, em certas circunstâncias, assomar à consciência de forma destrutiva.

Afrodite Anadiômene está, portanto, entre o oceano e o céu. Em seu nascimento traz a ideia dos pares amorosos, o casamento do céu e da terra, dos deuses primordiais Gaia e Urano.

No domínio da biologia celular, a reprodução não se dá por pares, mas divisão celular, é uma esfera fora do domínio da deusa do amor. Mas Afrodite é a deusa da atração entre os polos opostos, o céu e a terra, o corpo e o espírito, a civilização e a natureza, o homem e a mulher. Não é por acaso que os momentos preferidos da deusa são o do nascer do sol e o do pôr-do-sol, momentos do encontro amoroso do céu e da terra.

Afrodite revitaliza os opostos, favorece a atração do homem e da mulher e a união deles, sexual e espiritual, favorece a união dos opostos psicológicos, consciência e inconsciente numa síntese amorosa que Jung chamou de o processo de individualização.

O nascimento de Afrodite a partir da castração de Urano, o pai-céu, e da espuma do mar revela sua conexão com o oceano do corpo, a sexualidade com seus ritmos e marés, o orvalho que umedece as uniões amorosas, e ao mesmo tempo sua ligação com o espírito celestial.

Na verdade, Afrodite pandemia e a Afrodite urânia debatidas em O banquete de Platão formam um todo indivisível. Afrodite tem o poder de transmutar o prazer sexual em êxtase espiritual. O dom da beleza de Afrodite ultrapassa o encanto pelas formas do parceiro amoroso, é a beleza transcendental do Kallon kai Agathon (o Belo e o Bem) da elaboração filosófica de Platão.

Afrodite representa, na verdade, o poder civilizatório pelo Belo, tão cultivado pelos gregos. É difícil para uma mentalidade judaico-cristã entender esta conceituação, pois nossa tradição reza que a gratificação sexual é uma necessidade instintiva, da contraparte animal do ser humano, e após dois mil anos de cristianismo é a tendência natural do homem da modernidade a busca da verdade a todo custo, porem dissociada da beleza.

Considero o simbolismo do cultivo dos jardins uma das imagens mais convincentes da expressão mágica de Afrodite como imagem arquetípica do poder organizador do Belo, tanto na consciência individual quanto coletiva.

As flores estão presentes, no Mito de Afrodite, com muita frequência. A deusa aparece em algumas representações coroada com flores por Tália; entre as três graças, a responsável pela floração. Pétalas de rosa são também jogadas por Tália sob seus pés.

É importante ressaltar que Afrodite é, além da deusa do amor, a deusa das flores. A flor sintetiza de forma admirável o mistério de Afrodite; as flores são o mais belo órgão sexual; do universo. São muitas as imagens floridas representativas da beleza sexual feminina, entre elas a rosa vermelha, colorida e perfumada, mas com espinhos que podem machucar como fazem sofrer as paixões do amor.

Estar preocupado com flores e organizar jardins é uma forma de cultuar Afrodite. Os europeus, prezando muito os poucos espaços de natureza em seus espaços densamente construídos, elaboramFlavio Sullas-4 carinhosamente seus jardins, interseção entre natureza e civilização, respiradouro natural do belo em suas cidades. Afrodite reina neste espaço sagrado de conjunção entre civilização e natureza.

O casamento de Afrodite e Hefesto traz em si um paradoxo e um mistério. Como pode a mais bela das deusas unir-se com o deus coxo? Uma interpretação literal psicológica mostra um modelo de casamento tão comum, a relação complementar, tão estagnante quanto insatisfatória do ponto de vista do desenvolvimento de cada um.

Por outro lado, a compensação é necessária porque encerra em si o constante desafio da beleza interior, o Belo-em-si, que Hefesto manifesta em seu trabalho como divino artesão, o senhor da mais bela ourivesaria. A dourada Afrodite tinha que se cercar, naturalmente, do senhor do outro e das joias, símbolos da perfeita beleza. O casamento é, assim, um antídoto contra a identificação do belo aparente, tão comum em nossa cultura atual. Quanto mais caímos nesta identificação, mais perdemos contato com a deusa.

Historicamente, a mulher grega foi reprimida dentro de uma estrutura de sociedade do patrismo. Alem da esposa oficial, o cidadão ateniense poderia possuir a escrava do gineceu, a Palaké, ter contatos com amantes de cunho inferior, a prostituta paga, a Pórne, e ter ainda uma amante de padrão mais elevado, do ponto de vista social ou cultural, a Hetera (J. Brandão, 1989). Algumas heteras se tornaram famosas, poderosas e ricas, devido a sua inteligência e beleza. Assim foi Aspásia, confidente do próprio Péricles, que tinha por ela especial afeição e carinho, demonstrando isto publicamente em diversas ocasiões.

Frine, hetera amante do artista Praxiteles, tornou-se famosa pela sua impressionante beleza, tendo posado nua para que Praxiteles moldasse a famosa estátua de Afrodite nua do templo de Cnido. Apeles, famoso pintor, fez dela retrato equivalente a nossa Mona Lisa. Frine tornou-se tão poderosa que foi ela quem financiou a reconstrução das muralhas de Tebas, depois de destruídas por Alexandre. Nestas muralhas foi inscrito: destruído por Alexandre, reconstruído por Frine, hetera.

Estas heteras são demonstração do poder de Afrodite, em seu aspecto concreto. Mas quando Frine posou para Praxiteles nua, a deusa foi retratada pela primeira vez desnuda e isto gerou uma controvérsia no mundo grego: deveria Afrodite ser desnudada? (Paris, 1988: 56).

Afrodite sempre foi representada com tecidos quase transparentes, através dos quais se podia adivinhar suas belas formas. Seu corpo e sexualidade, representando a natureza, suas roupas e joias, a cultura. Mais uma vez, um equilíbrio entre os pares de opostos.

Entre sua indumentária, os mitos falam de uma faixa de tecido ou de um cinto do qual emana todo seu poder de amor e sedução. Uma história diz de um pedido de Hera para que Afrodite lhe cedesse seu cinto, pelo qual encantava poderosamente deuses e homens. Este mito retrata a necessidade de integração de Hera, senhora do casamento sagrado e do Olimpo, do poder sexual de Afrodite para a perpetuação de seu hiero gamos, seu casamento sagrado com Zeus. Percebemos também que a sedução pode advir do vestir-se, mais do que desnudar-se, pois Hera busca meios seguros de seduzir Zeus.

Como toda imagem arquetípica, Afrodite é paradoxal em suas manifestações na consciência. As duas versões de seu nascimento podemos interpretar psicologicamente dentro deste paradoxo.

Sendo filha de Urano e nascendo da espuma do mar, simboliza o poder súbito das paixões destrutivas que assomam à consciência, levando de roldão qualquer discriminação. A possessão apaixonada por Afrodite ocorre em pessoas com certa dissociação afetiva, que se tornam presa fácil de suas paixões reprimidas no inconsciente.

Flavio Sullas-3O filme Perdas e danos, de Louis Malle, revela esta emergência destrutiva de Afrodite. Um político inglês extremamente bem-sucedido, com uma persona irrepreensível, apaixona-se pela noiva de seu próprio filho. Esta paixão, levada adiante, tem um desenlance fatal.

A moça sedutora é uma mulher-Afrodite que não consegue integrar os aspectos criativos deste arquétipo e em vez disto os atua de forma irrefreável. O político é um homem frio, dissociado de seu lado emocional. O terrível triângulo amoroso leva o filho à morte.

Percebemos no contexto deste drama a relação de Afrodite com a sexualidade e vida, e também com a morte. Afrodite amou profundamente o mortal Adônis; tornaram-se amantes. Saindo à caça, Adônis foi morto por um javali (um símbolo do aspecto sombrio da própria Afrodite). Esta chorou a perda do amante, que desceu ao reino inferior, ficando parte do ano com Perséfone, parte com Afrodite. O jovem Adônis ficou perpetuado sob a forma de flores, as anêmonas. É curioso que Afrodite tem como um de seus símbolos a romã, a mesma fruta característica da deusa dos mortos, demonstrando-se assim uma secreta identidade entre a vida, a sexualidade e a morte; oculto no aparente dualismo das pulsões de vida e morte, um secreto monismo.

Afrodite é, pois, portadora das grandes transformações da personalidade, uma deusa alquímica, como a chamou J.S. Bolen (1991). O processo de individuação proposto por Jung é vivido como um constante lidar com estes opostos antagônicos. Heráclito, o mais enigmático dos pensadores originários, já percebera o aspecto paradoxal deste processo, formulando a ideia de que Dionisio e Hades são um só.

 

Fonte: “Mitopoese da psique – mito e individuação”, Boechat, Walter. Editora Vozes, 2008.

História do véu

Flavio Sullas-4Hijab, véu, quer dizer, em árabe, o que separa duas coisas. Então, véu significa, dependendo se é usado ou retirado, o conhecimento oculto ou revelado. Assim, na tradição cristã monástica, tomar o véu significa separar-se do mundo, mas também separar o mundo da intimidade na qual entramos numa vida com Deus. O Corão fala do véu que separa os condenados dos eleitos (7,44). Deve-se falar às mulheres por trás de um véu. Os incrédulos dizem ao Profeta: Há entre nós e tu um véu (41,4). Deus só fala ao homem através de revelação ou através de um véu (42), como foi o caso de Móises.

No Templo de Jerusalem, um véu separava o Santo do Santo dos Santos, e um outro vestíbulo do Santo. Foi dito (Mateus 27:51) que, no momento da morte de Cristo, o véu rasgou-se de alto a baixo. Esse rasgo mostra a brutalidade da Revelação operada pelo desvendamento em relação à Lei antiga: Não há encoberto que não venha a ser descoberto (Mateus 50:21). A retirada do véu, ou dos véus sucessivos, da deusa egípcia Ísis representa manifestamente a revelação da luz. Conseguir levantar o véu, diz Novalis, nos seus Lehrlinge zu Sais, é tornar-se imortal; e ainda: Um homem conseguiu levantar o véu da deusa de Sais. Mas o que viu? Viu o milagre dos milagres – a si mesmo.

Al Hallaj diz: O véu? É uma cortina interposta entre o que procura e o seu objeto, entre o noviço e o seu desejo, entre o atirador e o seu alvo. Devemos esperar que os véus só existam para as criaturas, não para o Criador. Não é Deus que usa um véu, mas as criaturas[1].

No sufismo, diz-se que uma pessoa está velada (mahjub) quando a sua consciência é obcecada pela paixão, seja sensual ou mental, de tal modo que não percebe a Luz divina em seu coração[2].

Para os místicos, hijab, que designa tudo o que vela o alvo, significa a impressão produzida pelo coração Flavio Sullas-3pelas aparências que constituem o mundo visível e que os impedem de aceitar a revelação das verdades. O nafs (alma carnal) é o centro do velamento… As substâncias, os acidentes, os elementos, os corpos, as formas, as propriedades, todos são véus que ocultam os mistérios divinos. A verdade espiritual está selada para todos os homens, com exceção dos santos.

Um dos tratados mais antigos do sufismo, o de Hudjwiri, chama-se Desvelamento (kashf). Inúmeros tratados posteriores trazem esse título.

Ibn ul Faridh fala dos véus da mortalha dos sentidos[3]. a própria existência é considerada um véu para os sufistas.

No budismo, este mesmo véu que dissimula a Realidade pura é Maya; mas Maya, como Xácti, vela e revela ao mesmo tempo, pois se não velasse a realidade última – que é a identidade do ego e do self, do sich selbst e da Deusa – a manifestaçãoo objetiva não pdoeria ser percebida. O símbolo aqui se contradiz, pois o véu torna-se não o que oculta, mas, ao contrário, o que permite ver, filtrando uma luz ofuscante, a luz da Verdade. É neste sentido que se diz, em regiões islâmicas, que a Face de Deus é velada por setenta mil cortina de luz e de trevas, sem o que tudo o que o seu olhar atingisse seria consumido. Pela mesma razão Moisés teve de cobrir o seu rosto para falar com o povo hebreu. O Islã também dirá que Deus revestiu as criaturas com o véu de seu nome pois se lhes mostrasse as ciências de seu poder, desmaiariam, e se lhes revelasse a Realidade morreriam[4]: o véu do nome preserva a criatura de uma visão direta que a faria desmaiar. Pois também a luz solar possui uma dupla acepção simbólica: pode ser aquilo que cega, com seu brilho por demais intenso, o que faz com que os tais digam que o véu do dia esconde a luz dos astros, que se desvelam ao cair da noite.

O poder secular por vezes apropria-se deste símbolo para sacraliza-lo. É o que se dava com o Imperador da China, sempre podendo assim ver sem ser visto; e com o Califa, a partir do período omíada: seu camareiro, encarregado de transmitir as suas palavras durante as audiências, chamava-se “véu” ou “cortina” (Hajib), pois era ao mesmo tempo aquele que esconde e aquele que revela.

Em última instância, o véu pode então ser considerado mais um intérprete do que um obstáculo; ocultando apenas pela metade, convida ao conhecimento; todas as mulheres sedutoras sabem disso, desde que o mundo é mundo.

O símbolo também se define pelo esoterismo: aquilo que se revela velando-se, aquilo que se vela revelando-se.

[1] La Passion d’Al-Hallaj, 2 vols., Paris 1922.

[2] Introduction aux doctrines ésotériques de l’Islam, Lion, 1955.

[3] Nicholson R. –A., Studies in Islamic Mysticism, Cambridge, 1921.

[4] La Passion de l’Islam, Paris, 1922.

Simbologia do Casamento

Símbolo da união amorosa entre duas pessoas. Em um sentido místico, significa a união de Cristo com a sua Igreja, seu Deus. Na análise junguiana, o casamento simboliza, no curso do processo de individualização ou de integração da personalidade, a conciliação do inconsciente, princípio feminino, com o espírito, princípio masculino.

As hierogamias (casamentos sagrados) são encontradas em quase todas as tradições religiosas. Elas simbolizam não apenas as possibilidades de união do homem com Deus, mas também uniões de princípios divinos que que engendram certas hipóstases. Uma das mais célebres dessas uniões é a de Zeus (a força) com Têmis (a justiça ou a ordem eterna), que deu origem a Irene (a paz), Eunomia (a disciplina) e Dice (o direito).

O Egito conhecia as esposas do deus Amon. Elas em geral eram filhas de rei, consagradas como adoradores do Deus e dedicavam sua virtude e ser a essa teogamia.

Casada somente com Amon, a adoradora lhe faz um culto de um erotismo discreto; encantando o deus com sua beleza e com o ruído de seus sistros, senta-se sobre os joelhos dele e lhe passa os braços em torno do pescoço.” [1]

Não se pode deixar de aproximar, sem afirmar uma filiação qualquer entre esses ritos, as Adoradoras de Amon, deus da fecundidade, e as Vestais. Vesta se tornará, em Roma, a deusa da terra, a Deusa Mãe, e seu culto se caracterizará por uma extrema exigência de pureza.

É assim que o casamento, instituição que preside à transmissão da vida, aparece aureolado de um culto exalta e exige a inocência. Ela simboliza a origem divina da vida, da qual as uniões entre duas pessoas não são senão receptáculos, instrumentos e canais transitórios. Ele se inclui entre ritos de Sacralização da vida.

[1] Posener G. (em colaboração com Serge Sauneron e Jean Yoyotte), Dictionaire de la civilisation égyotienne, Paris, 1959.

História da cerimônia de casamento, parte 1

História da cerimônia do casamento

No antigo sistema patriarcal, “os pais casavam os filhos”, uma vez que os pais tinham que ceder uma parte do seu patrimônio (casa e terras) para o sustento e a moradia da nova família. A cerimônia de casamento nasceu na Roma Antiga, incluindo o ritual da noiva se vestir especialmente para a cerimônia, o que acabou por se tornar uma tradição. Vários ritos do casamento romano foram legados ao mundo ocidental contemporâneo, como a existência de um anel de noivado, do véu da noiva, a união das mãos direitas dos nubentes ou, ainda, o ato de levar ao colo a noiva para dentro do local da cerimônia. Foi, igualmente, em Roma que aconteceram as primeiras uniões de direito e a liberdade da mulher casar por vontade própria, posteriormente.casamento-romano

O casamento na Roma Antiga era uma das principais instituições da sociedade romana e tinha como principal objetivo gerar filhos legítimos, que herdariam a propriedade e o estatuto dos pais. Entre as classes mais prestigiadas, servia também para selar alianças de natureza política e/ou econômica. Refira-se a título de exemplo Júlia, filha de Júlio César e de Cornélia Cinnila, que inicialmente prometida a Quinto Servílio Cepião, acabaria por casar com Pompeu quando o seu pai estabeleceu com este a aliança que conduziu ao primeiro triunvirato, ou ainda o casamento de Otávia com Marco Antônio, parte do Tratado de Brundísio.

Perspectiva histórica

No início, não era necessária nenhuma espécie de cerimônia legalística ou religiosa para que um casamento fosse considerado válido na Roma Antiga: bastava a coabitação entre um homem e uma mulher para que estes fossem considerados casados. A estruturação legal do casamento foi realizada ao longo da república, tendo sido alterada com o Império.

Até 445 a.C., só tinham direito a casar os patrícios. Nesse ano, e através da lei Canuleia, o casamento é estendido a todos os cidadãos, permitindo-se também o casamento entre patrícios e plebeus.

Na época de Augusto, primeiro imperador romano, a legislação ligadas ao casamento sofre mudanças. Nessa altura, assistia-se em Roma a uma quebra demográfica, que se fez sentir em particular nas classes sociais mais relevantes. Para essa quebra contribui a diminuição da fertilidade dos casais, provocada pela presença de chumbo nas canalizações que transportavam a água consumida, e pelo fato das mulheres utilizarem maquiagem onde esse mesmo elemento encontrava-se presente. Além disso, os casais evitavam ter mais de dois filhos, para evitar o fracionamento dos bens, que conduzia a uma desvalorização social, dado que o enquadramento em determinada ordem dependia da fortuna pessoal. Para incentivar a natalidade e o casamento, Augusto fez uso de duas leis, a lex lulia de maritandis ordinibus e lex papia poppaea.vestido-de-noiva-5

Estas leis determinavam que todos os homens com idade compreendida entre os 25 e 60 anos e todas as mulheres entre os 20 e 50 anos pertencentes à ordem senatorial e à ordem equestre (as duas ordens mais importantes do Estado romano) deveriam ser casados, caso contrário, seriam penalizados. A penalização constituía em impedir que recebessem legados ou heranças de pessoas que não fossem da sua família. Foi também instituído o ius trium liberorum através do qual os pais de três ou mais filhos legítimos gozavam de determinados privilégios, como a diminuição da idade mínima de aceso às magistraturas. Para as mulheres, a concessão do ius trium liberorum permitia a gestão própria dos bens (sem interferência do marido ou do pai), podendo legalmente herdar e legar. As medidas tiveram pouco efeito; o próprio ius trium liberorum foi, por vezes, atribuído como “recompensa” a homens que não chegaram a ter filhos, como no caso de Marcial, Plínio, o Jovem e Suetônio.